Num tempo em que a produção e o descarte de roupas se tornaram um problema ambiental global, reparar peças danificadas, que seriam descartadas em aterros ou lixões, é uma rebeldia e virou tendência de moda sustentável.

Iniciativas de reúso e de upcycling (transformação de resíduos têxteis em novos produtos) ganharam ainda novos ares quando grifes de luxo lançaram coleções sustentáveis, abrindo a indústria da moda para uma nova era. Em 2020, a Gucci, então sob a direção artística do estilista Alessandro Michele, já conhecido pela estética vintage, lançou uma linha de produtos feitos com materiais reciclados.

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“Michele trouxe a estética vintage e de brechó para as passarelas e deu muita força para o movimento de recuperação de tecidos”, afirma Alessandra Farah, especialista em moda sustentável. “A partir dele, deixou de ser feio usar roupas antigas e reaproveitadas.”

Marta Matui, 60, ex-diretora de arte de publicidade, atualmente realiza trabalhos manuais, como crochê e bordados, para desenvolver a técnica de reparo de roupas visível. A blusa jeans (à esquerda) e a blusa branca (à direita), foram feitas por Marta através do bordado japonês sashiko
Marta Matui, 60, ex-diretora de arte de publicidade, atualmente realiza trabalhos manuais, como crochê e bordados, para desenvolver a técnica de reparo de roupas visível. A blusa jeans (à esquerda) e a blusa branca (à direita), foram feitas por Marta através do bordado japonês sashiko – Rafaela Araújo/Folhapress

Fora das passarelas, dar nova vida a roupas em fim de ciclo de vida hoje também passa por técnicas artesanais, cada vez mais populares, conhecidas como “visible mending”, ou remendos visíveis. Por meio delas, um buraco numa blusa, um rasgo numa jaqueta ou um desgaste numa calça são reparados com bordados, patchworks ou rendas e ganham uma nova versão única.

“Visible mending é um jeito de colocar personalidade na roupa, de customizá-la pelo reparo, o que prolonga a vida útil das peças. Essas técnicas hoje têm muitos tutoriais nas redes”, afirma Farah.

O movimento dos remendos visíveis ganhou relevo global ao mesmo tempo em que cresce o dos influencers anti-consumismo, ou desinfluencers de moda, que trocaram os vídeos de ostentação de compras por aqueles de recuperação de peças antigas ou de reparo de itens danificados.

“Acho que é tendência no mundo todo não jogar mais roupa fora. E é algo que tem penetração em todas as classes sociais”, afirma a artista têxtil Marta Matui, 60, que tirou um ano sabático de sua carreira como diretora de arte em publicidade para estudar arte têxtil e nunca mais voltou à antiga profissão.

“Fiz cursos aleatórios de arte-têxtil e comecei a remendar roupas de minhas colegas do teatro quando achei uma hashtag #visiblemending. Quando cliquei, descobri que tinha uma comunidade global que estava fazendo isso. Achei a minha turma”, conta ela, que hoje faz trabalhos por encomenda remendando peças queridas de seus clientes.

Ela mergulhou nas suas origens nipônicas e estudou o sashiko, uma técnica japonesa de bordado usado para remendar roupas e torná-las mais grossas para a estação fria. “É algo da mentalidade japonesa ligada à beleza, à matemática e ao não desperdício”, afirma.

“As técnicas de reparo de roupas nascem das classes mais baixas, em especial agricultores. A mentalidade moderna está chegando nisso porque não podemos mais gerar lixo e ninguém mais quer blusinhas de R$ 20. Queremos roupas boas e longevas”, avalia.

Para Farah, boa parte da indústria da moda hoje tem como motor a ideia de obsolescência programada. “Essa renovação constante e esse ciclo acelerado de produção estão no coração da moda. Com o fast fashion, o produto já vem com a morte anunciada, para ser deteriorado em algumas lavagens.”

Para incentivar a aquisição e o reparo de roupas de qualidade, há pouco mais de um ano, o governo da França instituiu um modelo de financiamento público para o conserto de roupas e calçados em serviços certificados.

Segundo o Ministério da Transição Ecológica da França, o incentivo varia de 6 a 25 euros (cerca de R$ 38 a R$ 160) e tem o objetivo de aumentar em 35% o volume de têxteis reparados para novos usos até 2028.

Os bônus oferecidos pelo governo não podem exceder 60% do preço do reparo, que precisa ter o valor mínimo de 12 euros (cerca de R$ 75).

O país instituiu um modelo de Responsabilidade Estendida do Produtor (REP) para produtos têxteis, em que os produtores contribuem financeiramente para o fim da vida útil dos produtos que colocaram no mercado francês. O modelo é baseado no princípio do poluidor-pagador.

“Os produtores de têxteis se organizaram para criar uma estrutura coletiva responsável por cumprir suas obrigações de REP chamada de Refashion, que recebe contribuições financeiras para organizar não apenas a coleta seletiva, mas também o tratamento adequado, como reutilização, reparo, reciclagem ou recuperação de energia dos resíduos têxteis”, afirmou, à Folha, o Ministério por nota.

“O papel do governo é estabelecer obrigações de desempenho para a Refashion por meio de um conjunto de especificações que ela deve cumprir ou sofrerá sanções.”

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