Renato Lima, Universidade de São Paulo (USP)

O impacto da espécie humana sobre as demais espécies tem sido tão grande que várias delas já desapareceram da face da Terra e muitas outras desaparecerão nas próximas décadas. E é difícil pensar em um impacto humano sobre a natureza que seja mais simbólico do que a extinção de espécies.

Apesar de a extinção ser algo natural no nosso planeta, estamos acelerando a velocidade com a qual espécies estão desaparecendo, encaminhando a Terra à sexta extinção em massa da sua história. Lidar com essa crise global de biodiversidade é um dos maiores desafios da sociedade atual.

O Projeto THREAT

Para que possamos reverter o atual declínio da biodiversidade, precisamos, antes de mais nada, saber quais são as espécies ameaçadas. E foi com esse objetivo que criamos o projeto THREAT (THReat status of the Endemic Atlantic forest Trees), que catalogou todas as espécies de árvores endêmicas na Mata Atlântica e avaliou o nível de ameaça atual que elas enfrentam.

Não é novidade que o desmatamento das florestas tropicais é uma grave ameaça à biodiversidade global, incluindo as próprias espécies de árvores. Como as árvores não se movem, a cada hectare de floresta perdido, árvores de várias espécies são mortas, causando o declínio de suas populações. Árvores têm ciclos de vida muito longos, dificultando a recuperação dessas populações frente às constantes ameaças humanas, como corte de madeira, fogo e outras.

O projeto calculou o status de conservação de quase 3 mil espécies de árvores exclusivas da Mata Atlântica e mostrou que 82% delas sofrem algum grau de ameaça de extinção. Além disso, das quase 5 mil espécies arbóreas presentes na Mata Atlântica (incluindo aqui as que são encontradas também em outros biomas), 65% estão com suas populações ameaçadas.

A Mata Atlântica possui uma elevada percentagem de espécies endêmicas, mas perdeu 74% das suas florestas devido à atividade humana. Com isso, a maioria das árvores, samambaias e palmeiras endêmicas desta floresta brasileira agora se qualificam como ameaçadas.

Nessa floresta de más notícias para a biodiversidade, o estudo apontou também alguns achados positivos: cinco espécies que antes eram consideradas extintas ou extintas na natureza foram redescobertas.

Mas isso ainda é muito pouco diante da crise ecológica global. Afinal, as florestas tropicais e os chamados hotspots globais de biodiversidade abrigam a maior parte da biodiversidade do mundo e registram as maiores perdas de habitat das últimas décadas. A Mata Atlântica – que ocupa boa parte do leste do Brasil e se estende até o Paraguai e a região de Misiones, na Argentina – está dentre os mais importantes hotspots globais.

Com boa parte de sua cobertura original desmatada e altos níveis de degradação das florestas remanescentes, a Mata Atlântica é um bom exemplo de como florestas tropicais podem ser alteradas indiscriminadamente. Hoje, outras florestas tropicais compartilham índices similares de desmatamento e degradação, como as florestas em Madagascar, Caribe e Oeste da África.

E outras florestas poderão atingir esses índices, caso o ritmo de destruição atual continue, como é o caso das florestas na Amazônia, América Central, África Central e Sudeste Asiático. Ou seja, saber como está a Mata Atlântica pode nos ajudar a entender como estão hoje ou como estarão no futuro outras florestas tropicais mundo afora.

Mas existem poucos estudos que tentaram medir o resultado do desmatamento sobre o risco de extinção de todas as espécies de árvores de uma floresta tropical inteira. São muitas espécies a serem avaliadas e quase sempre não há dados ou recursos (financeiros ou humanos) para se fazer uma avaliação tão ambiciosa.

Como funciona o projeto

Para fazer essa avaliação, eu e meus colegas reunimos mais de 3 milhões de registros de herbário e 1 milhão de registros de inventário de árvores da região da Mata Atlântica. A partir desse levantamento, desenhamos um software para limpar e organizar os dados, produzindo uma lista de espécies identificadas na área, com uma medida do quão endêmica era cada planta.

A segunda parte do projeto consistiu na avaliação do nível de ameaça para cada espécie que ocorre na Mata Atlântica. Para isso, estimamos o tamanho populacional de cada uma delas e calculamos seu declínio. Isso exigiu rastrear detalhadamente a cobertura florestal ao longo do tempo e coletar dados sobre o histórico de vida de cada espécie, incluindo tempo de vida, tempo para atingir a maturidade e taxa de reprodução.

O projeto foi apoiado pela União Europeia (UE) e cumpriu todos os critérios exigidos pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) para uma avaliação formal do estado de conservação de cada espécie.

A IUCN é a mais famosa das chamadas Listas Vermelhas de Espécies Ameaçadas de Extinção, que é usada para apoiar a tomada de decisões de monitoramento e ações de conservação da biodiversidade.

Como os recursos e tempo são escassos, as listas vermelhas nos ajudam a saber quais espécies são prioritárias de atenção (e investimentos), visando evitar extinções.

Os softwares desenvolvidos no THREAT (‘plantR’ e ‘ConR’) estão disponíveis gratuitamente. Além disso, os códigos e funções são abertos, para que qualquer pessoa possa usá-los se quiser fazer as mesmas avaliações em outro lugar.

Além de softwares gratuitos para facilitar avaliações similares em outros biomas, o projeto THREAT tem um público-alvo específico: os órgãos ambientais do Brasil. Com esses dados em mãos, será mais fácil ao poder público desenvolver ações e políticas públicas para que essas espécies possam ser protegidas por lei.

Afinal, se as espécies da Mata Atlântica desaparecerem, muitas outras que dependem delas para sustento ou alimentação poderão desaparecer também. E toda a biodiversidade pode entrar em colapso.The Conversation

Renato Lima, Professor de Ecologia, Universidade de São Paulo (USP)

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.

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