Monica Levy Andersen, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

A apneia obstrutiva do sono (AOS) é uma condição complexa que afeta milhões de
pessoas em todo o mundo. É caracterizada por episódios repetidos de obstrução das vias aéreas superiores durante o sono.

Essa obstrução leva a interrupções temporárias na respiração, resultando em quedas nos níveis de oxigênio no sangue. Esses episódios podem ocorrer várias vezes por hora e podem durar de alguns segundos a mais de um minuto. Essas interrupções podem acarretar em uma série de consequências negativas para a saúde, se não forem tratadas adequadamente.

A interrupção repetida da respiração durante o sono resulta na diminuição dos níveis de oxigênio no sangue e no aumento dos níveis de dióxido de carbono (CO2), um fenômeno conhecido como hipoxemia e hipercapnia, respectivamente. Isso pode ocorrer pela respiração inadequada durante a AOS, quando há uma diminuição na troca de oxigênio e dióxido de carbono nos pulmões. Essas condições podem ter várias consequências negativas para a saúde, incluindo:

  • Fadiga diurna e sonolência excessiva diurna: Devido à fragmentação do sono;
  • Hipertensão arterial: O aumento da pressão arterial é um desfecho comum da apneia do sono não tratada;
  • Doenças cardiovasculares: A hipoxemia e a hipercapnia podem contribuir para o
    desenvolvimento de doenças cardíacas, como hipertensão, arritmias e insuficiência cardíaca;
  • Problemas cognitivos: A falta de oxigênio durante o sono pode levar a prejuízos de memória, de concentração e da função cognitiva.

A AOS pode afetar pessoas de todas as idades, mas é mais frequente em adultos de meia-idade e idosos. Homens têm uma prevalência maior do que mulheres, embora a condição também possa acontecer em mulheres, especialmente após a menopausa.

Em 2010, o Professor Sergio Tufik, liderando um artigo derivado do Projeto EPISONO, publicou na revista Sleep Medicine uma descoberta que abalou as bases do conhecimento da Medicina do Sono. Os dados revelaram que a prevalência desse distúrbio respiratório na população atingia impressionantes 32,9%. Esse número contrastava drasticamente com a prevalência internacionalmente reconhecida até então, que variava de 2 a 4% da população com AOS.

O EPISONO é um estudo epidemiológico que se repete a cada década para investigar o padrão de sono e seus distúrbios na população da cidade de São Paulo. Ao longo
das três primeiras edições, realizadas entre 1986, 1995 e 2007, o estudo já havia indicado que mais de 60% dos habitantes paulistanos sofriam com problemas relacionados ao sono.

Os resultados publicados por Tufik e sua equipe foram verdadeiramente revolucionários, não apenas por sua magnitude, mas também por seu impacto na forma como a apneia do sono era percebida e tratada.

Sintomas, causas e tratamentos

O estudo revelou números surpreendentes, mas também identificou fatores de risco associados à AOS. Homens apresentaram uma associação significativamente maior do que mulheres, enquanto indivíduos obesos tinham uma chance ainda mais elevada de desenvolver a condição.

A idade avançada também foi identificada como um fator de risco significativo. Outro aspecto importante foi a constatação de que a AOS estava mais presente em grupos socioeconômicos menos favorecidos, embora esse padrão se invertesse entre
homens e mulheres, com mulheres de baixa renda apresentando uma associação maior.

O estudo revelou que a menopausa auto relatada explicava em parte essa associação, com taxas mais altas entre as mulheres de classe social mais baixa.

A AOS pode ser influenciada por múltiplos fatores de risco, como obesidade, anatomia das vias aéreas superiores, histórico familiar, e o uso de álcool e sedativos antes de dormir.

Os sintomas variam, mas geralmente incluem ronco alto e persistente, resultado da obstrução do fluxo de ar causada pelo relaxamento dos músculos da garganta. Além do ronco, sintomas como interrupções na respiração notadas por terceiros, sonolência diurna, dificuldade de concentração, irritabilidade e dor de cabeça ao despertar são indicativos da condição. O tratamento da AOS visa abrir as vias aéreas durante o sono, permitindo uma respiração mais fácil e sem interrupções.

Abaixo estão listadas algumas opções de tratamento:

– CPAP (Pressão Positiva Contínua nas Vias Aéreas): um dispositivo que fornece ar sob pressão por meio de uma máscara facial durante o sono, mantendo as vias aéreas abertas;

– Dispositivos de Avanço Mandibular (DAM): esses dispositivos são usados para manter a mandíbula inferior e a língua em uma posição avançada, o que ajuda a manter as vias aéreas abertas;

– Cirurgia: em casos graves, a cirurgia pode ser recomendada para corrigir anormalidades anatômicas das vias aéreas superiores;

– Mudanças no estilo de vida: perder peso, evitar o consumo de álcool e tabaco, e dormir de lado em vez de costas podem ajudar a reduzir os sintomas da AOS.

Problema também afeta crianças

A AOS é comum em adultos, mas seu impacto em crianças, frequentemente subestimado, pode afetar gravemente o desenvolvimento físico, emocional e cognitivo delas. É vital reconhecer os sintomas da AOS em crianças, que incluem ronco alto, respiração ruidosa ou irregular, interrupções respiratórias notadas por cuidadores, movimentos corporais frequentes, sonolência diurna, dificuldades de concentração e aprendizado, além de comportamento hiperativo ou irritabilidade.

Identificar e tratar a AOS em crianças é crucial para seu bem-estar. A AOS em crianças pode ser desencadeada por uma variedade de fatores. Um dos fatores mais comuns é o aumento das amígdalas e adenoides, tecidos linfoides localizados
na garganta. Quando esses tecidos se tornam excessivamente grandes, podem obstruir as vias aéreas durante o sono, dificultando a respiração e levando à apneia do sono.

A obesidade infantil também é um fator de risco significativo para o desenvolvimento da AOS. O excesso de peso pode resultar no acúmulo de tecido adiposo ao redor das vias aéreas, o que pode comprimi-las e aumentar a probabilidade de obstrução durante o sono.

Certas características físicas, como anormalidades craniofaciais, também podem tornar as crianças mais propensas a ter AOS. Essas anormalidades podem incluir deformidades na estrutura facial ou na mandíbula, que podem contribuir para o colapso das vias aéreas durante o sono. A AOS pode ter uma base genética. Se houver um histórico familiar da condição, é mais provável que uma criança desenvolva AOS.

O tratamento da AOS em crianças varia de acordo com a causa e a gravidade. Opções
incluem a remoção cirúrgica das amígdalas e adenoides aumentadas, terapia com aparelhos orais ou com CPAP, e mudanças no estilo de vida, como perda de peso e evitar fumar em casa.

É essencial buscar orientação médica para determinar a melhor estratégia de tratamento, adaptado às necessidades individuais de cada criança. Os pais e cuidadores devem estar atentos aos sinais e sintomas da condição e procurar ajuda médica se suspeitarem que uma criança possa estar com a AOS. O diagnóstico precoce e o tratamento eficaz são essenciais para garantir um sono saudável e um desenvolvimento adequado nas crianças.

Para obter informações detalhadas e úteis sobre AOS em crianças, consulte a edição número 39 do gibi “Dona Ciência”. Esta publicação oferece uma abordagem acessível e informativa sobre o tema, apresentando explicações claras e orientações práticas que podem auxiliar no entendimento e no manejo dessa condição.

À medida que navegamos pelos desafios complexos da AOS, torna-se evidente a
necessidade de uma atenção holística e continuada aos indivíduos ao longo de suas vidas. Especialmente crucial é a vigilância frente ao ganho de peso e às queixas de fadiga ou sonolência excessiva, marcos que podem indicar a necessidade de intervenção. Para as mulheres, a chegada da menopausa constitui um momento de transição significativo, no qual a avaliação e o manejo da AOS devem ser considerados com atenção especial.

Pediatras e profissionais de saúde, por sua vez, devem permanecer atentos aos sinais da AOS em crianças. Este distúrbio, muitas vezes subestimado nesta faixa etária, pode ter implicações profundas no desenvolvimento da criança com um todo. A identificação precoce e o tratamento adequado são essenciais para mitigar esses impactos e assegurar o bem-estar da criança.

Cuidar do sono e tratar seus distúrbios não apenas melhora a qualidade de vida, mas
também serve como uma ponte para a promoção da saúde integral, o bem-estar e o potencial humano pleno. Este reconhecimento nos lembra que a saúde do sono é um pilar fundamental da saúde geral e do bem-estar. Portanto, enfrentar a AOS com uma abordagem informada e proativa é imperativo, permitindo que indivíduos de todas as idades vivenciem a plenitude da vida, com todas as suas possibilidades e promessas.The Conversation

Monica Levy Andersen, Professora Associada e Livre-Docente do Departamento de Psicobiologia da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.

Este conteúdo foi útil para você?

Obrigado pelo seu feedback!
plugins premium WordPress