A primatologista Elodie Freymann chegou à Floresta de Budongo, em Uganda, em 2021 para observar os chimpanzés e aprender mais sobre sua capacidade de se automedicar com plantas medicinais. Mas, ao folhear um livro de campo no local — contendo observações de pesquisadores que datavam de 1993 —, ela começou a notar relatos de chimpanzés não apenas ingerindo plantas para se automedicar, mas também as usando para cuidar de ferimentos — e às vezes não em si mesmos.
Ao analisar 30 anos de observações — além de oito meses de observações próprias — Freymann e seus colegas descobriram que os chimpanzés de Budongo, em dezenas de casos, administraram primeiros socorros a si mesmos e a outros. De acordo com Freymann, essas observações, publicadas nesta quarta-feira, 14, levantam questões sobre a capacidade dos chimpanzés de empatia e altruísmo.
“É difícil provar que um animal não humano tenha empatia porque você não pode sentar e conversar com ele”, disse Freymann. “A maioria dos estudos foi realizada em cativeiro. Mas, este trabalho fornece um estudo de caso, ou vários estudos de caso, de chimpanzés na natureza que possuem a capacidade não apenas de cuidar de si mesmos, mas também de transferir essas habilidades para outros.”
Estudo observou chimpanzés da Floresta de Budongo, em Uganda, e sua capacidade de se automedicar com plantas medicinais. Foto: Adobe Stock
Os chimpanzés e seus comportamentos dominam há muito tempo o campo da zoofarmacognosia, o estudo da automedicação não humana. Além da pesquisa anterior de Freymann sobre chimpanzés ingerindo plantas medicinais para se automedicar, pesquisadores que documentaram chimpanzés usando insetos para tratar a si mesmos e a outros no Parque Nacional de Loango, no Gabão, argumentaram que seu comportamento era evidência de sua capacidade para “comportamentos pró-sociais”, ou ações voluntárias que atendem ao melhor interesse do outro.
A pesquisa com os chimpanzés de Budongo encontrou 34 casos de chimpanzés praticando autocuidado — desde algo tão simples como lamber suas feridas ou usar folhas para se limpar após evacuar ou acasalar, até algo mais complexo, como mastigar plantas e aplicar o material em uma ferida. Houve mais sete casos de chimpanzés prestando esse tipo de cuidado a outros chimpanzés — e não apenas a parentes próximos.
Em 2012, um macho subadulto — um chimpanzé com idade entre 10 e 14 anos — identificado como PS, chupou a ferida na perna de outro macho subadulto identificado como ZG. Em 2008, pesquisadores documentaram um macho adulto identificado como NK removendo uma armadilha de náilon de uma fêmea adulta sem parentesco.
A primatologista Elodie Freymann estuda chimpanzés e sua capacidade de prestar primeiros socorros uns aos outros na Floresta de Budongo, em Uganda. Foto: Austen Deery
O comportamento também levanta questões sobre se as habilidades de cuidado dos animais são instintivas ou adquiridas e depois transmitidas por meio do aprendizado social, disse Freymann. Em 2008, pesquisadores observaram uma fêmea adulta identificada como NB — ferida em um episódio de agressão intragrupal — aplicando uma folha dobrada e mastigada em seu ferimento. Sua filha, uma fêmea jovem identificada como NT, observou a mãe fazendo isso e então imitou o comportamento, mastigando uma folha e aplicando-a no ferimento da mãe.
“Não estou afirmando que todo comportamento medicinal é aprendido, mas acho que não está fora de questão que os chimpanzés sejam capazes de possuir cultura medicinal”, disse ela.
Dado que os macacos são considerados os primos evolutivos mais próximos dos seres humanos, compreender “os fundamentos cognitivos e sociais dos comportamentos de cuidado com a saúde em humanos requer o exame de seus precursores evolutivos em nossos parentes vivos mais próximos”, argumentou Freymann em seu artigo de pesquisa.
O comportamento dos chimpanzés observado em Budongo sugere que “os ancestrais compartilhados que temos com chimpanzés e macacos provavelmente teriam sido capazes desse tipo de cuidado e teriam a capacidade de identificar aqueles que precisam de cuidado e de oferecê-lo a outros”, disse Freymann.
Mas Alexander Piel, professor associado de antropologia evolutiva da University College London, que não participou da pesquisa de Freymann, observou que o comportamento pró-social demonstrado por chimpanzés em Budongo era muito raro, o que o torna relutante em vincular as descobertas à evolução humana. Sempre há uma inclinação, disse ele, para conectar semelhanças entre humanos e macacos à evolução e, embora seja sempre uma possibilidade, “compartilhamos outras características com eles, como nossa intensa sociabilidade, e as compartilhamos com outros macacos”.
Pesquisadores observaram comportamentos pró-sociais de cuidado com a saúde entre espécies que não são macacos, como elefantes e mangustos-anões, escreveu Freymann em seu estudo. “O fato de os observarmos em espécies não intimamente relacionadas sugere que existem outros fatores que influenciam isso além da humanidade ou do parentesco humano… A empatia faz parte da equação, mas os dados não comprovam que ela seja o fator determinante desse comportamento”, disse Piel.
As descobertas fornecem um bom ponto de partida, disse Piel, para explorar os fatores por trás desse tipo raro de comportamento pró-social — por exemplo, por que os chimpanzés são tão seletivos em fornecer cuidados de saúde a outros chimpanzés. Freymann disse que haverá mais estudos por vir, bem como um monitoramento mais a longo prazo.
“Acredito que encontraremos culturas medicinais não apenas em chimpanzés, mas também em outros animais”, disse Freymann. “Sempre há debate, mas existem alguns comportamentos medicinais que parecem ser instintivos — os mais básicos. Existem alguns comportamentos que observamos que considero complexos demais para serem instintivos.”
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