Quando uma orquestra sinfônica deseja contratar um novo músico, o que importa é sua habilidade com o instrumento. Não importa a raça, a idade ou a aparência. Para evitar que esses outros fatores influenciem a banca que vai julgar os candidatos, a banca é informada somente da letra associada a cada candidato.
O candidato entra no palco por uma porta que não permite que a banca o veja. Ele se senta atrás de um biombo, que o esconde totalmente, e toca as peças solicitadas. E, sem emitir uma palavra sequer, se retira. A banca então dá as notas para a letra associada ao candidato. Esse método evita que fatores distintos da música influenciem a nota. É um sistema notável que é responsável pela diversidade sexual e racial encontrada nas melhores orquestras.
O problema é que, quando avaliamos pessoas, geralmente temos ou tivemos interações diretas com essas pessoas. Já foi demonstrado que nossos preconceitos sexuais, raciais ou mesmo estéticos, sejam conscientes ou inconscientes, acabam influenciando na avaliação. E já foi demonstrado que isso ocorre mesmo com avaliadores que desejam e se esforçam para evitar esses preconceitos.
Descoberta vai permitir que em muitas situações se evite a inclusão de preconceitos na avaliação.
A novidade é que os cientistas descobriram um método capaz de praticamente eliminar esse preconceito em avaliações online. A descoberta foi feita em uma empresa que opera no Canadá e nos EUA.
A empresa faz a intermediação entre pessoas que necessitam de pequenos serviços domésticos (desentupir um cano, consertar uma geladeira) e profissionais autônomos credenciados para fazer o serviço. Funciona assim: você entra no app e descreve o problema, o app te fornece um orçamento, você aprova. Feito isso, a empresa escolhe o profissional capacitado que pode atender mais rapidamente o pedido e o envia à casa do cliente num momento em que ele pode receber o profissional. Feito o serviço, o cliente avalia o serviço e paga a empresa, que repassa o grosso do valor ao profissional. Profissionais bem avaliados pelos clientes recebem um bônus.
A avaliação era feita com o sistema de cinco estrelinhas. Quanto mais estrelas, mais satisfeito o cliente. O que a empresa percebeu é que os prestadores de serviço brancos sempre recebiam avaliações mais altas do que os prestadores de cor, apesar de a empresa ter se certificado que todos os prestadores de serviço eram igualmente qualificados e resolviam o problema do cliente.
Durante sete meses, a empresa atendeu 55.713 chamadas. Olhando as avaliações eles perceberam que os prestadores de serviço brancos recebiam a nota mais alta (5 estrelas) em 90 a 95% das chamadas. Entre os prestadores de cor, somente 85 e 90% deles recebiam a nota máxima. E essa diferença acabava refletindo no valor dos bônus. Eles imediatamente suspeitaram que a causa deveria ser preconceito racial.
Foi nesse momento da história que a forma de avaliação foi trocada. Em vez de uma escala de zero a cinco estrelas, o app passou a apresentar somente duas opções para os clientes avaliarem o serviço: polegar para cima, satisfeito. Polegar para baixo, insatisfeito.
Nos sete meses seguintes, foram executados e avaliados 7.258 chamados de clientes e a empresa observou que 95% dos clientes davam uma avaliação de polegar para cima para o serviço. Haviam ficado satisfeitos. O mais impressionante é que, com esse novo sistema de avaliação, a diferença de avaliação entre prestadores de serviço brancos ou de cor desapareceu. Eles passaram a ser avaliados de maneira idêntica. Ou seja, o preconceito racial havia desaparecido das avaliações.
Um grupo de cientistas foi chamado para entender e explicar o que tinha acontecido. Eles refizeram o experimento em quatro cenários diferentes e o resultado se confirmou. Sempre que a escala de avaliação era gradativa, o preconceito racial (diferença de avaliação entre brancos e pessoas de cor) aparecia. E desaparecia quando a escolha era binária (satisfeito ou insatisfeito).
A explicação mais provável levantada pelos cientistas é que, numa avaliação binária, o avaliador tende a focar no resultado final: o serviço foi feito a contento ou não. E aperta o botão polegar para cima ou para baixo. Já na avaliação com cinco estrelinhas exista a possibilidade de o avaliador incluir no resultado outros fatores como simpatia do prestador de serviço, o sexo da pessoa, sua cor e assim por diante. E nessa situação o preconceito acaba entrando na avaliação.
A mente da pessoa pensa assim: o serviço ficou bom, mas o prestador é latino. E aí crava quatro estrelas ao invés de cinco. Isso ocorre mesmo que o preconceito seja subconsciente.
Essa descoberta vai permitir que em muitas situações se evite a inclusão de preconceitos na avaliação. Claro que não funciona em todos os cenários em que somos avaliados, mas é uma solução simples e eficiente.
É claro que essa descoberta não acaba com os preconceitos, que continuam lá na mente do avaliador, mas evitam que eles contaminem a avaliação. Para acabar com os preconceitos mesmo, a única solução é a educação.
Mais informações: Scale dichotomization reduces customer racial discrimination and income inequality. Nature