Tartarugas que navegam pelos oceanos são capazes de voltar ao seu local de nascimento ou a locais onde existe comida abundante. Isso foi descoberto capturando tartarugas em diversos locais, colocando anéis ou outros dispositivos no seu corpo, liberando elas de volta ao mar, e recapturando as bichinhas nos anos seguintes. Esses experimentos demonstram que elas possuem algum mecanismo que permite que saibam onde estão e em que direção estão se movimentando.
Nós não possuímos essa capacidade, mas construímos um sistema tecnológico sofisticado usando satélites que faz exatamente isso. É o GPS, que existe em todos nossos celulares.
Tartaruga-cabeçuda está na lista dos animais ameaçados de extinção. Foto: Adobe Stock
No caso das tartarugas, os cientistas suspeitavam que elas utilizam o campo magnético da Terra para saber sua localização e a direção na qual devem se movimentar para chegar ao destino. Faz séculos nós descobrimos um sistema semelhante, a bússola. Nossas bússolas indicam o norte, mas não indicam nossa posição. Mas, se usarmos um equipamento que mede a intensidade do campo magnético e o ângulo formado entre a direção do campo magnético e a direção da força gravitacional, é possível saber exatamente nossa localização. É a chamada assinatura magnética de cada ponto no planeta.
Os cientistas suspeitavam que as tartarugas eram capazes de detectar, memorizar as assinaturas magnéticas de cada local, e nadar até aquele ponto no oceano. Mas isso nunca havia sido demonstrado, não passava uma teoria. A novidade é um experimento que demonstra que as tartarugas realmente possuem essa habilidade. E o experimento é simples.
Foram usados filhotes de tartaruga-cabeçuda (Caretta caretta) coletados logo após o nascimento numa ilha da Carolina do Norte, EUA. No laboratório, os cientistas usaram campos magnéticos artificiais, criados com imãs eletromagnéticos que mimetizam de forma exata as assinaturas magnéticas das costas de Delaware, Cuba, Newfoundland, Virginia, Maine, Florida, Turks e Caicos e Haiti. Os filhotes foram colocados em tanques e esses tanques podiam ser submetidos aos campos magnéticos de cada um desses locais.
Cada grupo de tartarugas foi alocado a um par de salas com os campos magnéticos de uma região. Por exemplo: um grupo de tartarugas foi alocado às salas com as assinaturas magnéticas de Delaware e Cuba. Elas passavam um dia em cada uma das salas, um dia em Cuba, um dia em Delaware. Mas somente em uma das salas elas recebiam alimentos, nesse caso em Delaware. Depois de dois meses eles tentaram investigar se as tartarugas conseguiam distinguir a sala em que recebiam alimento da sala em que passavam fome. Ou seja, se elas conseguiam distinguir o campo magnético de Delaware do de Cuba.
O interessante é que as tartarugas quando estão próximas de um lugar em que existe alimento praticam movimentos característicos, como uma dança. Nesse caso específico os cientistas observaram que depois de dois meses de condicionamento, assim que eram colocadas no campo magnético de Delaware começavam a dançar, sabendo que seriam alimentadas. Esse experimento foi repetido com diferentes pares de campos magnéticos (diferentes cidades) e os resultados foram os mesmos.
Esse é um experimento de condicionamento clássico em que o animal aprende a associar um dado estímulo a uma resposta. No caso das tartarugas, elas associaram um dado campo magnético à possibilidade de se alimentarem e respondem com a dança.
Os resultados demonstram que as tartarugas são capazes de identificar e separar diferentes assinaturas magnéticas (Delaware versus Cuba) e são capazes de aprender e memorizar que em um deles existe alimento (Delaware).
Como as tartarugas conseguem identificar locais específicos do planeta, conseguem associar esses locais às suas características (nesse exemplo a presença de alimentos), é razoável imaginar que elas possuem uma espécie de banco de dados na memória com seus locais preferidos. E mais, usando a capacidade de se orientar com sua bússola interna, elas conseguem navegar nos oceanos, voltando todos os anos aos melhores locais para se alimentar e reproduzir. A pergunta agora é como, usando que órgão, as tartarugas conseguem sentir o campo magnético do planeta.
Essa é a primeira demonstração de que um animal consegue se orientar usando o campo magnético do planeta. O triste é que a tartaruga-cabeçuda está na lista dos animais ameaçados de extinção.
Mais informações: Learned magnetic map cues and two mechanisms of magnetoreception in turtles. Nature https://doi.org/10.1038/s41586-024-08554-y 2025