O neurocientista brasileiro Alysson Muotri, da Universidade da Califórnia, em San Diego, nos Estados Unidos, vai virar astronauta para poder estudar doenças neurológicas como autismo e Alzheimer na Estação Espacial Internacional (ISS na sigla em inglês). A viagem está prevista para acontecer em 2026 e o treinamento na Agência Espacial Americana (Nasa) começa poucos meses antes da partida.

Muotri é professor dos departamentos de Pediatria e Medicina Celular da Universidade da Califórnia e dirige o programa de células-tronco da instituição. Além disso, dirige o Centro de Pesquisa Espacial Integrada de Células-Tronco em Órbita (ISSCOR em inglês).

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O cientista é pai de uma criança autista e, por isso, esse distúrbio sempre foi uma de suas principais linhas de pesquisa. Ele estará no Brasil entre 28 e 30 de março deste ano para participar do maior evento sobre autismo do País, o seminário Rio Teama 2025, no Hotel Nacional, em São Conrado, onde apresentará o projeto espacial.

Alysson Muotri, em seu laboratório na Universidade da Califórnia; o geneticista brasileiro criou organoides celulares, ou ‘minicérebros’, a partir de células-tronco humanas e pretende levá-los ao espaço

 Foto: University of California

“Nunca foi meu sonho ser um astronauta, a ciência me leva a ser astronauta”, afirmou Muotri ao Estadão. “Se o tratamento do autismo estivesse no fundo do mar, eu seria mergulhador; se estivesse no alto de uma montanha, seria um alpinista. Eu sigo para onde a ciência aponta, para onde posso encontrar as respostas que preciso.”

Muotri é reconhecido internacionalmente pelo desenvolvimento de minicérebros, organoides feitos com células-tronco, usados em laboratório para entender o desenvolvimento cerebral e as doenças neurológicas, além de servirem de base para testar novos medicamentos.

Em 2019, numa parceria entre a Universidade da Califórnia e a Nasa, os minicérebros foram enviados à ISS. A experiência revelou que, em apenas um mês no espaço, as células neuronais envelheceram o equivalente a dez anos por conta da microgravidade.

Agora, o cientista quer ir pessoalmente à estação espacial para trabalhar com os organoides, se tornando o primeiro cientista brasileiro astronauta. Segundo Muotri, o treinamento da Nasa para ir ao espaço dura seis meses e começará assim que a data definitiva da viagem for marcada.

“Até onde eu sei, a viagem deve acontecer em 2026, mas isso muda toda hora”, contou Muotri. “Já foi 2024, 2025, agora é 2026; normal há uma série de fatores que influenciam na escolha dessa data, mas a palavra final é da Nasa. E o treinamento só começa quando essa data estiver marcada. Nesse meio tempo, começamos os pré-treinamentos aqui no nosso laboratório com esses experimentos que serão feitos na estação.”

Minicérebros criados em laboratório por Alysson Muotri, na Universidade da Califórnia, em San Diego.

 Foto: Universidade da Califórnia

Os minicérebros que serão levados à ISS serão desenvolvidos a partir de células-tronco de indivíduos com diferentes condições neurológicas, como autismo, Alzheimer e outros tipos de demência. Aqui na Terra, os minicérebros funcionam muito bem para que os cientistas estudem os estágios iniciais do desenvolvimento cerebral, mas não os mais avançados.

“O Alzheimer, por exemplo, leva 70, 80 anos para mostrar alterações clinicamente, como a perda das sinapses”, disse o neurocientista. “Eu não tenho esse tempo em laboratório. Mas a estação vai servir como uma incubadora para o aceleramento da senescência celular. Os organoides voltarão com idade avançadas, mostrando sinais de um envelhecimento acelerado.”

Desde 2023, Muotri tem uma parceria com a Universidade Federal do Amazonas para testar compostos moleculares oriundos da Floresta Amazônica no tratamento das doenças neurológicas. Essas moléculas neuroativas serão testadas nos organoides no espaço. Na volta à Terra, serão analisadas na esperança de que possam inibir ou reverter os sinais da senescência celular, abrindo a possibilidade para a criação de algum novo medicamento.

“Estamos trabalhando com as tribos originárias, em especial com as comunidades huni kuins”, explica Muotri. “São os pajés que apontam as plantas com moléculas potencialmente neuroativas a serem caracterizadas na Ufam e, posteriormente, enviadas ao meu laboratório.”

O neurocientista contou ainda que conseguiu reunir pesquisadores de diversos países para o projeto, entre eles, claro, Brasil e Estados Unidos, mas também Coréia do Sul, Arábia Saudita, Emirados Árabes e alguns da Europa.

“Já temos uma rede internacional muito forte porque a verdade é que todo mundo precisa de um modelo novo de envelhecimento humano”, diz. “É muito difícil testar drogas para condições neurológicas porque só contamos com o modelo animal e ele não recapitula muito bem as condições da doença. Por que temos muitas drogas para o câncer e os problemas cardíacos e poucas para as condições neurológicas? Por isso, pela falta de um modelo ideal. O que esse projeto traz é um modelo humano relevante, que vai acelerar muito a descoberta de novos alvos terapêuticos.

O Brasil já enviou um astronauta ao espaço, em 2006, o ex-ministro de Ciência e Tecnologia do governo de Jair Bolsonaro e atual senador Marcos Pontes (PL-SP). O País participou dos esforços para a construção da Estação Espacial e, por isso, teve o direito de inserir o tenente-coronel da Aeronáutica no programa especial da Nasa.

Pontes treinou durante dois anos para ser considerado apto a ir ao espaço. Com a interrupção dos voos espaciais da Nasa por conta da explosão do ônibus espacial Columbia, o Brasil pagou US$ 10 milhões (cerca de R$ 60 milhões) para os russos levarem Pontes numa nave Soyuz. Ele ficou na ISS durante 15 dias. Atualmente o Brasil não é parceiro da ISS.

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