A história pessoal da economista Keyu Jin, 42, reflete o passado não tão distante da amistosa relação entre China e Estados Unidos. Filha de um membro do alto escalão do Partido Comunista, que foi vice-ministro das Finanças e presidente de banco, ela deixou Pequim nos anos 1990 para estudar nos EUA, onde cursou ciências econômicas em Harvard.
Como se sabe, a amizade entre as duas potências sofreu abalos nos últimos anos. Testemunha dessa mudança e de muitas outras na economia chinesa, Jin diz que se propôs a ler o seu país “em sua língua original” e traduzi-lo no livro “A Nova China: Para Além do Capitalismo e do Socialismo”, publicado em 2023 nos EUA e lançado no final do ano passado no Brasil.
![Keyu Jin, economista e professora da London School of Economics](https://f.i.uol.com.br/fotografia/2025/01/15/173698521167884a7bbc841_1736985211_3x2_md.jpg)
O trabalho da economista pode ser definido como um guia para leitores estrangeiros de como funciona a gigante e intrigante economia do país. A autora não esconde sua visão otimista em relação às transformações chinesas, às perspectivas para o seu futuro e aponta erros de analistas externos.
“O Ocidente previu seis colapsos econômicos na China desde 1980. Nenhum ocorreu. Há quem diga que agora chegou a vez, mas não vejo elementos para sustentar essa previsão”, afirma Keyu Jin à Folha.
A pesquisa para o livro foi feita quando os efeitos do primeiro mandato de Donald Trump, de 2017 até 2021, eram sentidos. Agora, o republicano volta ao poder e promete acirrar mais a disputa entre os dois países, com aumento de tarifas para importação.
China, terra do meio
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“A guerra comercial acabou globalizando as empresas chinesas”, afirma. “Foi um resultado não esperado. Elas tiveram que abrir novos mercados e passaram a produzir fora. Para o Brasil é uma oportunidade”, afirma.
Jin vê a potência asiática mais preparada do que no primeiro governo trumpista. Justifica que houve queda na dependência em relação ao mercado americano na comparação com 2017. O futuro presidente, segundo ela, foi o primeiro a trazer de maneira aberta a mensagem de que os “EUA estão tentando parar a China”.
A disputa entre as duas potências está no livro, mas não é isso o que o diferencia de tantos outros sobre o assunto. É no didatismo ao explicar aspectos peculiares da sociedade chinesa que a economista consegue servir de tradutora, como se propõe.
Faz isso no capítulo em que descreve o que define como o “caótico”, “tumultuado” e “subdesenvolvido” sistema financeiro do país. O Estado, explica ela, não apenas “regula os bancos mas também é proprietário principal” deles.
O país acumulou quedas no mercado de ações, registrou casos de inadimplência em bancos, mas nenhum desses eventos levou a colapsos financeiros e a contração da economia, relata. O “sistema imaturo”, nas palavras dela, foi quem tirou o país de crises. A boia de salvação estatal, porém, veio com seguidas punições aos responsáveis por erros.
Outra particularidade chinesa é o que ela chama de “economia dos prefeitos”, em que os administradores locais têm autonomia, acesso à crédito e competem ao captar empresas para suas regiões.
Em um regime sem eleição direta para esses cargos, o que leva os prefeitos a terem tanta ambição em fazer suas cidades crescerem? “Eles querem ser promovidos, alçar-se a cargos melhores em regiões mais ricas”, explica ela, que descreve a competição entre os burocratas como um dos fatores de sucesso da economia.
A relação próxima entre funcionários públicos e empresas gerou desvios, como casos de corrupção e crescimento da dívida interna. Os problemas são relatados por Jin, que critica alguns efeitos da mão pesada do Estado.
Há uma “necessidade de intervir constantemente a fim de preservar a estabilidade. Quanto mais intervém, mais cria distorções. No futuro, mecanismos de mercado precisarão ter mais peso do que o Estado”, escreve.
Ao mesmo tempo, ela vê nas análises mais negativas, principalmente vindas dos EUA e da Europa, uma falta de percepção “da cultura e das relações” no seu país.
Segundo ela, a força do Estado se alimenta da expectativa das pessoas. “É um contrato social implícito que precisa ser compreendido para se entender a economia e a sociedade chinesa como um todo.”
O livro não aborda temas relacionados a liberdades individuais e direitos humanos, sensíveis a Pequim, o que gerou questionamentos em resenhas publicadas no Ocidente.
“Se você escrever um livro sobre política monetária e economia dos EUA não será criticado por não tratar do que foi feito pelo país em guerras nos últimos 40 anos”, responde.
RAIO-X | Keyu Jin, 42
Economista chinesa autora do livro “A Nova China: Para Além do Capitalismo e do Socialismo”. Estudou em Harvard e é professora da London School of Economics.