São Paulo – Vinte anos após a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pela primeira vez, o presidente mantém o apoio de uma fatia expressiva das camadas mais pobres da população. Essa base, composta por quem possui renda familiar mensal de até dois salários mínimos, ainda vê em Lula um legítimo representante de seus interesses.

A constatação reforça a tese do “lulismo”, conceito criado pelo professor titular do Departamento de Ciência Política da USP, André Singer, ao descrever a conexão de Lula com a parcela popular, independentemente de alinhamentos estritos ao PT.

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No entanto, Singer alerta para a queda brusca de aprovação quando a renda sobe além de dois salários mínimos. Entre a classe média, o governo encontra um terreno mais árido. Fatores como o aumento do custo de vida e a mudança do mercado de trabalho – processos que se agravaram no pós-pandemia e pela guerra na Ucrânia – ajudam a explicar o fenômeno.

Base Popular e “Lulismo”

“Se a sociedade brasileira fosse composta apenas pelos que ganham até dois salários mínimos, a aprovação do governo estaria próxima a 50%. Isso revela que o realinhamento eleitoral de 2006, que define o lulismo, ainda persiste.”
– André Singer, em entrevista à BBC News Brasil

Apesar da fidelidade dessa base, a aprovação desaba para cerca de 27% quando a renda familiar mensal ultrapassa dois salários mínimos. A insatisfação, segundo Singer, está ligada a fatores estruturais, como a fragmentação crescente do mercado de trabalho, o que torna mais complexa a atuação de partidos herdeiros da “classe trabalhadora organizada”.

Crise do Pix e Impacto Político

Nos últimos dias, o Palácio do Planalto recuou diante da chamada “crise do Pix”. Boatos sobre possíveis taxações e um monitoramento mais rigoroso de transações geraram forte repercussão, em especial entre microempreendedores e trabalhadores informais, parcela que cresceu consideravelmente na última década.

“A polêmica mostra como o tema do trabalho informal por parte de pequenos empreendedores ganhou relevância no Brasil de hoje.”
– André Singer

Para Singer, a ampliação do “empreendedorismo” sem garantias trabalhistas reforça a vulnerabilidade desses grupos a discursos de extrema direita que pregam o fim do Estado como mediador.

A Nova Classe Trabalhadora Desorganizada

A reforma trabalhista e a popularização das plataformas digitais de trabalho são apontadas pelo cientista político como fatores-chave para a desorganização do proletariado tradicional, outrora centralizado em fábricas e sindicatos. Esse contexto representa um desafio para partidos como o PT, que historicamente sustentaram seu discurso na classe trabalhadora organizada.

“O PT é herdeiro da tradição da classe trabalhadora organizada, e agora tem diante de si uma classe trabalhadora profundamente desorganizada, em boa parte atuando de forma precarizada.”
– André Singer

Perspectivas Eleitorais e Desafios à Esquerda

Com a aproximação das eleições de 2026, Singer analisa os rumos do PT e de Lula. A complexa dinâmica com o centrão e a disputa com a direita radical – frequentemente impulsionada por ferramentas digitais e retórica chamativa – abrem caminhos imprevisíveis. A substituição de Lula como principal líder carismático também é motivo de debate interno no PT.

“Quando Lula não for mais candidato, vai se formar um vácuo. Como ele será preenchido, eu não sei. Mas o PT tem condições de continuar relevante, pois é o partido mais sólido do Brasil.”
– André Singer

Para o professor, a vitória de candidatos considerados “outsiders” em 2018 e 2022 evidenciou a força da comunicação direta com o eleitorado pela internet. Contudo, Singer vê dificuldades para a extrema direita vencer sozinha, especialmente após a inelegibilidade de Jair Bolsonaro.

Aprovação do Governo por Faixa de Renda

Faixa de Renda Familiar Percentual de Aprovação
Até 2 salários mínimos 46%
De 2 a 5 salários mínimos 27%
Acima de 5 salários mínimos (estim.) Dados não disponíveis

Fonte: Pesquisa mencionada por André Singer.

Análise Final

A sustentação do lulismo entre os mais pobres, a desconfiança de parte considerável da classe média e a evolução da chamada nova classe trabalhadora precarizada se combinam para formar um cenário em que o PT enfrenta o desafio de se reinventar. Soma-se a isso a presença cada vez mais organizada de forças de direita e extrema direita, que exploram a comunicação digital e o discurso antiestablishment.

As próximas eleições serão palco para se observar se o partido conseguirá avançar em temas como reforma tributária mais justa, isenções para faixas de renda menores e a reorganização de uma classe trabalhadora dispersa.


Conclusão

A análise de André Singer ilumina os principais entraves que o lulismo e o PT enfrentam na atual conjuntura brasileira. A fidelidade das camadas populares contrasta com a resistência da classe média e a emergência de uma nova classe trabalhadora, pulverizada e conectada via plataformas digitais. Os desafios para a esquerda exigem não apenas propostas econômicas e tributárias mais claras, mas também a habilidade de comunicar com setores que se sentem órfãos de representação.

Em 2026, a discussão sobre sucessão de Lula, a união das direitas e a capacidade de o PT articular frentes amplas contra a extrema direita serão elementos fundamentais do tabuleiro político. Até lá, o governo federal e seu partido-base precisarão contornar crises como a do Pix e fortalecer políticas que falem diretamente às necessidades de quem sente no dia a dia o impacto do custo de vida e da precarização do trabalho.

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