Os paulistanos que passam pela região da Avenida Paulista podem se surpreender ao encontrar pessoas formando filas para escaneamento de íris. Em troca, recebem um valor em criptomoedas que pode ser convertido em dinheiro vivo. Mas, afinal, quais são os objetivos desse projeto? Quais os riscos para a privacidade e a segurança de dados biométricos? E por que tanta gente se interessa em trocar informações tão sensíveis por dinheiro?
O que está acontecendo na Avenida Paulista?
Em uma pequena sala, onde funciona a filial da empresa Tools for Humanity, centenas de pessoas chegam diariamente para ter sua íris escaneada. A maioria busca a promessa de recompensas em criptomoedas conhecidas como Worldcoin. Em depoimentos coletados pela imprensa, muitos usuários nem sabem bem para que esse procedimento serve. Ainda assim, acabam aderindo ao programa por necessidade financeira.
Quem está por trás do projeto?
A iniciativa é conduzida pela Tools for Humanity, presente em 39 países, que desenvolve o protocolo World e a criptomoeda associada (Worldcoin). Um dos fundadores é Sam Altman, também CEO da empresa OpenAI, responsável pela famosa ferramenta de inteligência artificial ChatGPT. A proposta é criar um “passaporte digital” que comprove que uma pessoa é realmente humana, evitando fraudes e interações automatizadas.
Como funciona o Escaneamento de Íris?
- Agendamento e Cadastro: O interessado baixa um aplicativo, insere alguns dados pessoais e agenda um horário.
- Coleta de Dados: No local, um dispositivo avançado — o Orb — faz a leitura da íris, transformando-a num código numérico. Em seguida, a empresa promete apagar a imagem original e manter apenas o código.
- Recebimento de Criptomoedas: Após 48 horas, o usuário recebe parte das criptomoedas, podendo sacar ou utilizar como quiser. O valor total é liberado gradualmente.
Por que a Íris?
A íris é um identificador único, que não muda ao longo da vida (exceto em casos de acidentes ou doenças). Isso a torna altamente precisa para sistemas de autenticação e verificação. No entanto, também levanta preocupações sobre o uso e armazenamento desses dados, já que, diferentemente de uma senha comum, você não pode “resetar” sua íris.
Principais Riscos e Debates
- Privacidade e Proteção de Dados
A íris é um dado pessoal sensível protegido pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil. Especialistas advertem que, mesmo com consentimento, as pessoas precisam entender claramente para que estão fornecendo seus dados biométricos. - Consentimento Qualificado
Pela LGPD, o consentimento deve ser livre, inequívoco e informado. Entretanto, existe o temor de que pessoas em situação de vulnerabilidade estejam trocando seus dados únicos por dinheiro, sem compreender plenamente os impactos futuros. - Segurança e Possíveis Vazamentos
Um vazamento desses códigos poderia levar a riscos de violação de direitos e até problemas de identificação no futuro. A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) já abriu um processo de fiscalização para investigar a prática. - Finalidade e Transparência
A Tools for Humanity alega anonimização e não solicita dados como nome, endereço ou CPF. Ainda assim, há quem questione se essas informações podem ser cruzadas ou usadas de maneira diferente do informado.
Depoimentos Marcantes
- Bruno Barbosa Souza, 25 anos (Motoboy)
“Me disseram que pagam em torno de R$ 400 para ler a retina. Não sei para que serve, mas estou precisando do dinheiro.”
- Wallace Weslley, 31 anos (Atendente)
“Falaram que estão fazendo isso para ter segurança dos nossos dados. Tenho receio, mas todo mundo está apertado de grana.”
- Casal Jurema e José Virgílio, na faixa de 70 anos
“Eles falam que é para garantir que somos seres humanos únicos. Dizem que os dados são criptografados e somem depois.”
Vantagens e Desvantagens
Aspectos | Vantagens | Desvantagens |
---|---|---|
Privacidade | Empresa alega criptografia e anonimização | Risco de vazamento de dados biométricos |
Benefício | Recebimento de criptomoeda (que pode virar dinheiro) | Valor variável e vinculado a flutuações de mercado |
Segurança | Autenticação mais robusta que senhas tradicionais | Consentimento pode não ser plenamente “livre” |
Regulamentação | ANPD em processo de investigação | Possível lacuna na fiscalização prática |
Conclusão
O projeto de escaneamento de íris em troca de criptomoedas levanta debates sobre ética, proteção de dados e exploração econômica. Se, por um lado, promete segurança contra robôs e Inteligência Artificial, por outro exige que cidadãos ofereçam um dado biométrico irrecuperável: a própria íris. Cada pessoa deve avaliar os riscos e os benefícios, lendo com atenção termos de consentimento e se informando sobre a destinação real dos dados coletados.