Luciana Gageiro Coutinho, Universidade Federal Fluminense (UFF) e Rose Gurski, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
O adoecimento psíquico de jovens brasileiros tornou-se um fantasma que ronda a comunidade acadêmica. Assistimos a um crescente aumento nos índices de sofrimento psíquico da juventude brasileira, com destaque aos universitários, situação já mapeada por órgãos de saúde e educação nacionais.
Pesquisas recentes da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) apontam um número significativo de universitários com dificuldades emocionais em seus percursos acadêmicos (83,05%). Os dados mostram que a ansiedade e o desânimo aparecem com maior frequência, seguidos pelas ideias de morte e pensamento suicida. Os números da pesquisa da Andifes mostram o suicídio como a segunda causa de morte de universitários.
Uma possível condição de agravamento de sofrimento de discentes nas universidades está associada às novas formas de ingresso, à mobilidade social e geográfica propiciada pelo ENEM e pelo SISU, assim como pela precarização das políticas de inclusão e permanência dirigidas aos alunos de baixa renda, negros e indígenas.
Nesse sentido, a pesquisa ainda mostrou que as dificuldades emocionais estão frequentemente associadas às questões financeiras, à carga excessiva de trabalhos acadêmicos e ao tempo de deslocamento para a universidade. No espectro dos impasses que mais afetam o desempenho acadêmico estão as intolerâncias, discriminações e preconceitos vividos pelos jovens.
Possivelmente, todas essas variáveis participam, em alguma medida, das altas taxas de evasão universitária. Entre os discentes das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), mais da metade já pensou em abandonar seus estudos, relatando dificuldades financeiras (32,8%), alto grau de exigência acadêmica (29,7%), dificuldades para conciliar estudo e trabalho (23,6%) e problemas de saúde (21,2%) dentre as causas prevalentes. De fato, há uma evidente associação entre os maiores riscos de evasão e a faixa de renda familiar mensal.
Frente a este contexto, um grupo de docentes, pesquisadores de universidades públicas do Brasil, da Argentina e da França, decidiu examinar de perto o modo como o sofrimento psíquico se faz presente nas Universidades, através da construção do projeto de pesquisa multicêntrico Psicanálise e saúde mental na Universidade: políticas de vida, escuta e sobrevivência psíquica em tempos sombrios.
O Projeto problematiza inquietações compartilhadas acerca do tema do mal-estar nas universidades públicas e no laço social atual, especialmente, nos aspectos relativos às práticas neoliberais no contexto sociopolítico brasileiro dos últimos anos.
A pesquisa, que já resultou em um Simpósio de mesmo nome, realizado em 2023 na USP, configura-se também como produto de um trabalho integrado entre diversos Laboratórios de Pesquisas situados nas diferentes universidades públicas do Brasil, da Argentina e da França, fruto de parcerias estabelecidas pelas redes de investigações nacionais e internacionais das quais os autores e autoras participam.
Em um cenário preocupante como este, nos perguntamos sobre quais condições sociais, políticas, econômicas e culturais participam da produção desse sofrimento, que tem se apresentado na sociedade como um todo, e nas universidades públicas de modo especial.
Pensamos que a responsabilização individual, e a privatização do adoecimento, só têm intensificado o sofrimento e a despolitização do debate. Investigar e intervir sobre o sofrimento psíquico que assola a comunidade acadêmica implica em compreender como as recentes mudanças da sociedade brasileira interferem nos modos de subjetivação forjados no laço social, produzindo impactos no que chamamos o mal-estar na Universidade – expressão evocada a partir da interlocução entre os campos da Psicanálise, Educação e Política.
Tais questões desdobram-se na pesquisa desde a narrativa de universitários que foram escutados por pesquisadores em rodas de conversas, nas quais falavam, sobretudo, de não conseguirem cumprir as “metas da Universidade”, ou ainda, da angústia pelo que chamam de “baixa-estima acadêmica” e da sensação de “nunca ser suficiente para dar conta das demandas”.
Os significantes “pressão” e “fracasso” apareceram constantemente, deslizando da pressão do ambiente acadêmico para a pressão familiar: ainda são frequentes as preocupações acerca das expectativas da família perante o desempenho dos novos ingressantes, que, muitas vezes, são os primeiros do núcleo familiar a cursarem o ensino superior.
Angústias associadas ao não-pertencimento e à instabilidade quanto às condições de permanência no ensino superior também se destacam. Um estudante mencionou o constrangimento com a disputa pelas poucas bolsas ofertadas, uma vez que, segundo ele, “é uma briga para ver quem é mais pobre”. Tal competição, como o próprio jovem observa, mostra o quanto a lógica do mercado adentrou os muros da universidade.
Podemos notar a presença de ataques às universidades, não só no universo social mais amplo como também nos conflitos internos e na presença de episódios de violência política que reproduzem a lógica dos discursos de ódio no interior mesmo do território universitário. Tais situações ocorrem, seja através do preconceito e rechaço às minorias recém-chegadas nas universidades públicas brasileiras, seja no que diz respeito ao confronto entre posições políticas polarizadas, como aparece também no discurso dos estudantes.
Algumas pesquisas e publicações já sinalizam há alguns anos a presença do sofrimento por ansiedades na relação com as exigências acadêmicas, bem como pela insegurança financeira e social diante do desafio de concluir o curso para o qual muitos dos estudantes ingressaram.
No entanto, mais recentemente, a atmosfera de demonização das Universidades públicas, através da redução dos investimentos em pesquisa e ciência criou uma série de fake news que alimentaram o imaginário social, fragilizando o vigor das instituições universitárias.
As narrativas construídas imaginariamente corroem as condições do trabalho docente e discente, produzindo o empobrecimento da função simbólica das produções acadêmicas no laço social. Nesse sentido, importa discutir amplamente as variáveis que compõem o adoecimento da comunidade universitária brasileira, pois, tal quadro também responde pelo amplo processo de precarização que as carreiras docentes, a pesquisa e a ciência vêm sofrendo.
Entendemos que as universidades públicas, tanto estaduais, quanto federais, têm particular importância no que diz respeito ao enfrentamento dessa questão. Precisamos realizar um debate crítico sobre as condições e contradições que participam do lugar social que a Universidade pública historicamente ocupa no Brasil, não somente no que se refere à construção de conhecimentos, mas, também no que se refere à produção de novos futuros para os jovens e, consequentemente, para o país.
Luciana Gageiro Coutinho, Professora Associada da Faculdade de Educação, Universidade Federal Fluminense (UFF) e Rose Gurski, Professora Associada do Departamento de Psicanálise e Psicopatologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
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